PAPA AOS BISPOS: DEVEMOS CURAR AS FERIDAS DO NOSSO TEMPO

Fizemos da nossa sociedade uma imensa vitrine, atenta apenas aos gostos de alguns “consumidores”, enquanto muito, muitíssimo outros “comem as migalhas que caem da mesa de seus donos”.

Foi o que disse o Papa dirigindo-se aos Bispos que participam do Encontro Mundial das Famílias. O encontro teve lugar no Seminário São Carlos Borromeu de Filadélfia, constituindo o primeiro compromisso do Papa este domingo (27/09), último dia de sua 10ª Viagem Apostólica Internacional.

Francisco iniciou afirmando que “a família não é primariamente um motivo de preocupação, mas a feliz confirmação da bênção de Deus à obra-prima da criação.”

Cada dia, em todos os cantos do planeta, a Igreja tem motivos para se alegrar com o Senhor pelo dom daquele povo numeroso de famílias que, mesmo nas mais duras provas, honram as promessas e guardam a fé, destacou o Pontífice.

Ressaltando que a transição de época em que vivemos constitui para a Igreja um desafio pastoral, frisou que a estima e a gratidão devem prevalecer sobre o lamento, apesar de todos os obstáculos que enfrentamos.

Francisco chamou a atenção para a profunda transformação do contexto atual, “que incide sobre a cultura social – e agora também legal – dos laços familiares e que nos afeta a todos, crentes e não-crentes”.

“O cristão não está ‘imune’ das mudanças do seu tempo; e este mundo concreto, com as suas múltiplas problemáticas e possibilidades, é o lugar onde temos de viver, acreditar e anunciar.”

Ainda sobre esse contexto de profunda transformação, o Santo Padre enfatizou que “em tempos passados, vivíamos num contexto social em que as afinidades entre a instituição civil e o sacramento cristão eram substanciais e compartilhadas: os dois estavam interligados e apoiavam-se mutuamente. Agora já não é assim”, observou.

Francisco tomou duas imagens típicas da nossa sociedade para descrever a situação atual: até algum tempo atrás, as conhecidas lojas, pequenos negócios das nossas terras; nas últimas décadas, os grandes supermercados ou centros comerciais.

A cultura atual parece incentivar as pessoas para entrarem na dinâmica de não se prender a nada nem a ninguém. Em seguida explicou:

“É que hoje a coisa mais importante parece ser esta: correr atrás da última tendência ou atividade. E isto também a nível religioso. O consumo é que determina o que é importante hoje. Consumir relações, consumir amizades, consumir religiões, consumir, consumir… Não importa o custo nem as consequências. Um consumo que não gera ligações, um consumo que pouco tem a ver com as relações humanas.”

Feita tal constatação, Francisco disse que uma das principais pobrezas ou raízes de muitas situações contemporâneas é a solidão radical a que se veem forçadas muitas pessoas.

“E assim, indo atrás do que ‘me agrada’, olhando ao aumento do número de ‘seguidores’ numa rede social qualquer, as pessoas seguem a proposta oferecida por esta sociedade contemporânea. Uma solidão temerosa de qualquer compromisso, numa busca frenética de se sentir conhecido.”

Diante de tais realidades o Papa chamou a atenção dos Bispos para a necessidade de uma conversão pastoral. Seguindo os passos do Supremo Pastor, Jesus Cristo, “somos convidados a procurar, acompanhar, erguer, curar as feridas do nosso tempo”, exortou.

Em seguida, Francisco propôs, mais uma vez, uma Igreja em saída: “É vital que hoje a Igreja saia para anunciar o Evangelho a todos, em todos os lugares, em todas as ocasiões, sem demora, sem repugnâncias e sem medo”.

Como pastores, continuou, “devemos investir as nossas energias não tanto para explicar uma vez e outra os defeitos da atual condição hodierna e os valores do cristianismo, como sobretudo convidar com audácia os jovens a serem ousados na opção do matrimônio e da família”.

Em seguida, Francisco insistiu com veemência sobre qual deve ser a postura do pastor: o pastor vela pelo sonho, a vida, o crescimento das suas ovelhas. “Este ‘velar’ não nasce dos discursos feitos, mas do cuidado pastoral.”

“Só é capaz de velar quem sabe estar ‘no meio’, quem não tem medo das perguntas, do contato, do acompanhamento. O pastor vela, antes de tudo, com a oração, sustentando a fé do seu povo, transmitindo confiança no Senhor, na sua presença.” Viver o espírito desta jubilosa familiaridade com Deus constitui o traço fundamental do estilo de vida do Bispo.

Em suas últimas recomendações aos Bispos, após ressaltar que o ideal do pastor não é viver sem afetos, Francisco afirmou que “o bom pastor renuncia a afetos familiares próprios, para destinar todas as suas forças – e a graça da sua vocação especial – à bênção evangélica dos afetos do homem e da mulher que dão vida ao desígnio da criação de Deus, a começar pelos afetos perdidos, abandonados, feridos, arrasados, humilhados e privados da sua dignidade”.